Detalhes
António podia ser descrito como um homem amargurado com o seu passado.
Acho que há muitos por aí mas, como este, é difícil de encontrar. Os
acontecimentos dobraram a sua espinha, deixaram-no cansado da luta pelo
lugar ao Sol, roubaram-lhe a alegria, o dinheiro e, por fim, a sua
própria mulher, aquela que o tornou grande catapultando-o para a ribalta
do empresariado, que aguentou todas as pressões dos acontecimentos, que
lhe deu uma família feliz, e que acabou numa cadeira de rodas, perdida,
em absoluto, da realidade que se passa à sua volta, em cujos olhos que
outrora falavam, lê-se hoje, apenas o amor com que olha ainda seus
filhos e marido, chorando baixinho como que pedindo perdão por os
maçar...
No entanto, é no primeiro contacto com ele, que percebemos estar
perante um homem que transformara as forças adversas numa dinâmica de
vida impressionante. Hoje, aos sessenta e sete anos de vida,
diariamente, cuida da mulher, da enorme casa onde vive na solidão de uma
aldeia beirã, apoia empresas na área da consultoria, e no fim do ciclo
do dia, ainda se senta junto aquela mulher para a confortar com mimos,
festas e com o relato dos acontecimentos por si vividos nessas intensas
vinte e quatro horas.
Mas é à noite, longe dos sons do seu neto correndo pela casa e
dando-lhe, à casa, vida, e longe dos vários apelos a que socorre
diariamente, que se senta na sua cadeira e secretária de madeira, num
tal escritório que outrora pertencera a seu pai, repleto de livros com
cheiro a velhos e um piano cujas notas já só tocam histórias de família,
para escrever num portátil que hoje substitui qualquer maquina de
escrever. É ali, quando o tempo pára, que as suas personagens ganham
vida e decidem de sua vontade os caminhos e aventuras que querem viver.
Um dos seis filhos de António, chama-lhe “O Super-Homem”, e é nele
que muitos desses seis vão procurar o conforto, apoio, e a energia para
as suas aventuras diárias. Com ele aprenderam a viver a vida com um
sorriso sempre presente, a não ceder aos obstáculos e a encontrar em
cada um deles sempre um desafio.
“L'Aubergue des Enfants ou o Testamento de Jesus” é uma dessas
histórias escrita numa tal cadeira e secretária já moldadas pelo tempo,
quando todos os sons dormem e apenas as personagens e suas aventuras
ganham vida.
É no fundo a história de um jovem médico que se enamora de uma
psicóloga, ele português, ela francesa. Uma história de amor, do qual
nasceu um filho diferente, e onde se traz à discussão a deficiência das
crianças, o que se faz ou não em Portugal em comparação com o “Auberge
des Enfants”, em Paris.
Mas é também uma história “de policias e ladrões”, de Estado contra
Poderosos, que monta ao tempo da Revolução Francesa, e uma história que,
de novo, não fica bem à Igreja de Roma.”