Detalhes
“Tendo eu lido o decreto do meu Rei contra mim (…) parece-me conveniente e necessário tocar, breve e claramente, os pontos principais para que todos saibam (…) que todo o mal procede de sinistras e inimigas informações (…) Diz que eu recebi muitas honras e favores: assim o disse e préguei sempre (…) agora que isto se diz para me culpar, declaro que nunca em Portugal um Homem da minha qualidade, que tanto tem servido em coisas tão grandes e tão notáveis (…) foi pior tratado pelo seu Rei ou Príncipe, nem recebeu injúrias maiores e fortes do que eu, desde o dia que sua Majestade foi aclamado Rei (…) Diz que (…) fugi ocultamente do reino sem pedir licença, depois de me ter ordenado que não partisse. Respondo que quem foge tendo motivo para fugir, ou por segurança de Vida ou por perigo de honra, não é obrigado a pedir licença (…) O fazer-me riscar dos seus livros, sua majestade o pode fazer em certo modo como Rei e Senhor, bem que eu esteja inscrito noutros livros por Graça de Deus e clemência e benignidade de Deus Nosso Senhor (…) nem por isso se impedirá que eu me chame Seu (…) Depois a parte do decreto contra os meus criados e servidores e ministros e contra quem me acompanhar ou servir ou receber as minhas cartas (…) é tão alheio da Cristã e justíssima mente do Rei e tão de direito contra a liberdade eclesiástica e contra os Sagrados Cânones do Concilio. (…) Que dizer da última parte do Decreto que me tira o poder de testar, de dar e ser-me dado e de suceder? Tudo contra as leis Divinas e Humanas e inéditas entre os bárbaros e onde não se sabe que coisa seja humanidade! (…) Estas são as coisas que me pareceu conveniente tocar para que ninguém possa pensar vendo a forma do decreto e a execução assim cruel e escandalosa que tenha havido causa alguma que mereça isto. Porque eu parti por justíssimo medo (…) Dei conta de mim ao meu Rei e Senhor que por ele e por todos fui julgado sem culpa, não voltei porque nunca estive assegurado da Vida. (…) fez-se o referido decreto do qual não vejo que seja parte nem palavra alguma que possa verificar salvo o ser o meu nome Dom Miguel (…). Diz que eu não quis voltar, chamando-me à morte! (…) não resta mais que dizer, salvo que peço à Majestade Divina que se digne reduzir os meus inimigos ao caminho da Paz, e que me perdoem o mal que lhes tenha feito, como eu tenho de todo o Coração perdoado e lhes perdoo (…)”
D. Miguel da Silva
Cardeal-Viseu
(Excerto da carta de resposta ao Decreto.
Arquivo Secreto do Vaticano)