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O Ricardo, entre outras características que o fizeram entrar-me directo ao coração, tem duas que me tocam particularmente na sua maneira de se relacionar: é directo e ousado. Ousa com a sua peculiar sensibilidade, mas ousa. É directo porque explode em sinceridade, em gosto de gostar ou de não gostar, verbo fácil e líquido, deixa escorrer em palavras o que sente, é intenso, não seria necessário lê-lo, porque o lemos na palavra dita, no olhar, no gesto. Só não lemos a sua tamanha dor. Um ser vulcânico em permanente erupção, que invade e se deixa invadir pela sua própria lava em constante transmutação. Uma lava que sai das suas profundezas e volta a entrar, recicla e volta a sair, vestida de emoções exaltadas, extremas. O Ricardo é Vida apesar de tanto se debruçar sobre a Morte. Ou talvez por isso...
A sua poesia, nascida da subjectividade e da emoção, centrada no seu próprio drama onde a fé, a paixão, a saudade, a morte, a solidão são constantes, remete-nos para uma forte expressão Romântica que nos transporta aos finais do século XVIII. Inesperada num jovem deste século, impregnado de racionalismo e materialismo mas nem por isso, escassa em poetas, e bons, ligados a correntes actuais, mais inspiradas no quotidiano.
Ricardo, que “nasceu em dias de nada quando nada o abraçava”, não deixa transparecer, numa sala com amigos, bem pelo contrário, a dor que o acompanhou ao longo da adolescência e que está patente no poema 20 Anos, “coração ferido, pela Vida alvejado/aos 20 anos já não tinha Vida nova! /Nem eu sabia o que era Vida/ nem ela se me via colorida/ com 20 anos só me queria ir à cova…”, poema com que se me apresentou em conversa de astros. Aqui se cruzaram as nossas Luas, começou a nossa amizade que espero que seja longa, como a vida do Ricardo, já que, a sua alma, que aqui veio para se despojar de memórias de vazio, se vai preenchendo do Amor que preside à Vida.
Ele, que viveu “morto em plena mocidade”, de Alma “sem metas, objectivos ou sonhos”, descobre-se na descoberta de si mesmo, sabe para onde vai e como quer ir, “só se conhece, quem só, sabe aonde vai” e que não ousem dizer-lhe o que tem de fazer. Ricardo sabe, o seu “pobre coração que tanto sente”, desenha-lhe o caminho como o faz o mapa astral, íntimo amigo, que pelas mãos sábias da Maria Flávia, passou a tratar por tu.
Ricardo transporta com ele o universo Ultra Romântico de Soares dos Passos, Castilho ou Camilo, mas a sua “ânsia de viver que não acalma”, o seu “sonho intenso de sonhar”, guiaram-lhe os passos até à Rua Victor Cordon onde o Céu, em conversa permanente com a Terra, lhe foi revelado, e onde ele próprio se revelou.
O vazio preenche-se, o passado esfuma-se, “constrói-se um novo chão”.
Nós, os seus amigos, e por certo os seus leitores, todos os que lhe queremos bem e sabemos quanto é grande a busca que fazemos, ficamos à espera desse novo Ricardo, que no poema dedicado à Maria Flávia, se anuncia e confessa: “sou um Novo-Ser, sem lastros, íntimo e oculto, com um Novo- Coração”.
Ana Zanatti
Cascais, 2 de Setembro de 2014